Nota de repúdio Delegado Bruno Lima: Ana Lúcia Martins, primeira vereadora negra eleita em Joinville, foi alvo de ataques racistas e ameaças na internet
Em 15 de novembro de 2020 a Sra. Ana Lúcia Martins (PT) foi eleita a primeira vereadora negra da cidade de Joinville/SC, com 3.126 votos, ocorre que apesar do ineditismo da vitória representar a luta da vereadora em favor da população mais vulnerável e, também, a conscientização da sociedade local em relação às necessidades de melhoria no trato social, a vereadora começou a receber em suas redes sociais ataques racistas e ameaças de morte pela sua vitória.
Excelências, é inaceitável que uma pessoa – ainda hoje – seja julgada pela cor da sua pele e, por conta disso, seja atacada na internet com infâmias morais e injúrias raciais.
Ora, a Constituição Federal garante a dignidade da pessoa humana (art. 1, III, CF), além do que pressupõe como um de seus objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (grifo nosso), nos termos do artigo 3º, IV, da Carta Magna, ocorre que apesar da Lei garantir a proteção aos direitos fundamentais e promover a igualdade formal e material, as pessoas atentam diuturnamente contra tais princípios difamando e injuriando pessoas por características físicas.
O legislador, atento às vicissitudes sociais não tem como única função fazer leis ou fiscalizar o Poder Executivo, mais do que apenas ser espectador das ações, o legislador deve atuar nos costumes da população em prol dos bem comum, nesta linha, afirma o mestre Jean-Jacques Rousseau:
A essas três espécies de leis, junta-se uma quarta, a mais importante de todas, que não se grava nem no mármore nem no bronze, mas nos corações dos cidadãos; que faz a verdadeira constituição do Estado; que todos os dias ganha novas forças; que, quando as outras leis envelhecem ou se extinguem, as reanima ou as supre, conserva um povo no espírito pelo hábito. Refiro-me aos usos e costumes e, sobretudo, à opinião, essa parte desconhecida pelos políticos, mas da qual depende o sucesso de todas as outras;
Assim, é inadmissível que as pessoas se imiscuam no anonimato ou se arvorem na cor da sua pele para atentar contra a honra de terceiro, apenas e tão somente pela cor da sua pele. Parafraseando a filósofa Simone de Beauvoir, não há crime maior do que destituir um ser humano de sua própria humanidade, reduzindo-o à condição de objeto; objetificar a vereadora e reduzí-la a um corpo negro é mais do que desprezível, é fraturar diretamente a dignidade da Sra. Ana Lúcia Martins (PT).
Há que se assumir uma postura combativa em relação aos atentados racistas, o silêncio é cúmplice da violência e as pessoas e, mais ainda, os representantes da população como vértices de demandas e aspirações devem se posicionar em favor dos direitos da pessoa humana adotando sempre uma conduta antirracista que, nas palavras da Professora Djamila Ribeiro:
É estar sempre atento às nossas próprias atitudes e disposto a enxergar privilégios. Isso significa muitas vezes ser tachado de ‘o chato’, ‘aquele que não vira o disco’. Significa entender que a linguagem também é carregada de valores sociais, e que por isso é preciso utilizá-la de maneira crítica deixando de lado expressões racistas (…)
Nestes termos, Djamila Ribeiro colaciona em seu Pequeno Manual Antirracista um excerto do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei de Cotas para Serviço Público Federal, senão vejamos:
A desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente.
Dito isto, fato é que a Sra. Ana Lúcia Martins (PT) foi desrespeitada como pessoa, mulher e negra, o que torna a sua eleição na cidade de Joinville/ SC uma vitória ainda maior, uma vez que enfrentará pessoas que tentarão negar a legitimidade da sua condição de primeira vereadora negra eleita, desvalorizando as suas ações e o seu trabalho, no entanto, ao final, com a luta da vereadora a sociedade evoluirá e terá que aceitar as ações da mais nova negra no centro do poder.
Assim, estando evidenciados a relevância e o interesse público de que a matéria se reveste, e sabendo não se tratar meramente de interesse local ou municipal, mas de atentado à dignidade da pessoa humana apresenta-se esta MOÇÃO:
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos termos regimentais, repudia os ataques injuriosos perpetrados contra a Sra. Ana Lúcia Martins (PT), primeira vereadora negra eleita pelo município de Joinville/SC, uma vez que tais ações constituem crime, atentam contra a dignidade da pessoa humana e fomentam a prática vil e ignóbil do racismo nas bases estruturais da sociedade; disto isto, rogo para que os poderes constituídos garantam a proteção à Sra. Ana Lúcia Martins (PT) assegurando-lhe os seus direitos fundamentais e universais de pessoa humana.
Requer-se, por oportuno, que cópias da presente moção sejam encaminhadas à Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina – Promotoria de Joinville -, à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social de Santa Catarina, à Secretaria de Assistência Social do Município de Joinville e à Câmara Municipal de Joinville.
Delegado Bruno Lima, novembro de 2020, São Paulo.
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