Wet markets ou, traduzindo literalmente, “mercados úmidos” são encontrados em todo o mundo. Mas, foi somente durante a pandemia de 2020 que a maioria das pessoas conheceram o nome. Isso porque acredita-se que um mercado úmido em Wuhan, China, seja a fonte da Covid-19.
Dos primeiros 41 pacientes infectados pelo vírus, 27 estiveram fazendo compras no local. Sendo esse o fato que levou as autoridades chinesas a fecharem o comércio e banirem temporariamente a venda de carne de animais silvestres no país. O local em si não tinha regras sanitárias. Além de contar com animais sendo vendidos vivos e mortos em barracas próximas umas das outras.
Sendo assim, esses “mercados molhados” nada mais são do que aqueles que vendem carne fresca, peixe, produtos agrícolas e outros bens perecíveis. Nas cidades chinesas, existe uma tradição desses mercados em dinâmica de feira livre. Porém, além de carne de porco, frango, peixe e frutos do mar, alguns mercados comercializam animais exóticos.
A tradição chinesa de consumir animais exóticos
O consumo de animais considerados “estranhos” para os brasileiros é algo levado como cultural na China. Entre 1958 e 1961, a propriedade privada se tornou ilegal com a ditadura de Mao Tsé -Tung. Ou seja, os camponeses perderam a posse de suas terras e receberam pequenas parcelas das próprias produções (recolhidas pelos agentes do governo para redistribuição).
Consequentemente, esse foi um período precário para a população da China. Dos 900 milhões de habitantes, 40 milhões morreram de inanição na época. Sem contar que o país também enfrenta frequentemente desastres naturais.
Aliás, foi somente em 1978, com o início da reforma agrária, que as terras voltaram a ser privadas. Porém, rapidamente as criações mais “tradicionais” (porcos, frangos e bois) acabaram concentradas nas mãos de grandes proprietários. Dessa forma, as propriedades familiares perderam espaço, os preços caíram e os produtos de subsistência já não conseguiam mais competir.
Um nova fonte de renda para os pobres
Portanto, a solução foi apostar na criação de animais exóticos. Mesmo sendo um desastre ambiental e sanitário, a criação desses animais em cativeiro iria garantir empregos e fazer girar a economia. Com isso, evitaria outra crise de fome no país. Todavia, espécies selvagens não foram os alimentos dos pobres, e sim fonte de renda. Os compradores eram as pessoas com mais dinheiro.
10 anos depois, em 1988, o governo implantou uma lei que considerava animais exóticos como recursos naturais, autorizando a exploração. Porém, essa lei foi revisada quatro vezes, defendendo alguns animais e legalizando outros. A estimativa é de que, pelo menos, 14 milhões de pessoas trabalhem em atividades ligadas a animais exóticos na China.
O impacto na saúde pública
Mesmo o Brasil tendo uma cultura diferente, o país também possui certos hábitos exóticos com os animais. Por exemplo, colocar cobra em cachaça, comer javalis, jacaré, paca e cotias. Somos um país de grande biodiversidade, praticamente vivemos no quintal de diversos animais silvestres.
|Leia mais sobre: especialistas não sabem como o Brasil ainda não passou por uma zoonose
Esse contato pode ter impactos positivos na economia da China. Porém, por outro lado, os impactos negativos na saúde pública são grandes. Afinal, o surto da Covid-19 é reconhecido como uma zoonose: um vírus que se originou em um animal e evoluiu até ser capaz de infectar humanos.
Os porcos podem transmitir doenças como ebola, hepatite e gripe. Bois e vacas foram os primeiros hospedeiros do vírus do sarampo. Dos 1.415 patógenos que infectam humanos, 61% têm origem em outras espécies. Portanto, se esses animais já transmitem essas doenças, principalmente em ambientes precários, fica arriscado o consumo dessas carnes.
Aliás, não deixemos de lado a situação de que muitos desses animais são acumulados, transportados e abatidos em péssimas condições. O tráfico ilegal de animal também entra no envolvimento comercial. Aliás, o tráfico de animais é a terceira maior atividade ilícita e lucrativa do mundo.
Os mercados molhados
Nesses mercados as condições de higiene variam de cada lugar. Com animais vendidos vivos ou mortos. Porém, um ambiente com inúmeras espécies em gaiolas pequenas em meio ao gelo derretendo, sangue e vísceras de animais abatidos, leva a um ambiente de fácil contaminação e mutações genéticas de vírus.
Os vírus conseguem se espalhar facilmente por esses animais e, principalmente, nos que estiverem doentes. Ou seja, no caso de doenças respiratórias, como a Covid-19, o vírus pode atingir os manipuladores de alimentos ou clientes por meio da exposição aos fluidos corporais de um animal.
Condenação internacional
A situação do corona vírus foi tão grave que, pela primeira vez, uma quarentena atingiu nível mundial. Não demorando para o mundo voltar os olhos para esses mercados e condenar os hábitos alimentares asiáticos.
Portanto, com o surto, a China proibiu o comércio e o consumo de animais selvagens para alimentação. Sendo fechado o mercado em Wuhan. Mas, aos poucos alguns mercados molhados voltaram a funcionar — sem carnes de animais silvestres.
Aliás, essa não foi a primeira vez que esses espaços ficaram nos holofotes do julgamento. Em 2003, o surto SARS também teria iniciado em um mercado úmido, na província de Guangdong, o que também levou ao fechamento e suspensão temporária da venda de carnes de animais silvestres.
Outras formas de comércio de animais selvagens
O consumo não entra como único risco. O perigo também está presente no contato com animais selvagens por meio da indústria de animais de estimação exóticos, extração de animais e suas partes para a medicina tradicional ou usos ornamentais. Sendo assim, preparadores, clientes ou donos de animais exóticos também estão propensos a terem contatos com o vírus.
Além disso, atividades como o desmatamento e a caça que invadem habitats contribuem para o aumento de contato com animais que podem carregar doenças.
| Continue lendo: É errado ter um animal silvestre de estimação?
A maioria do povo chinês não come animais selvagens
Os tempos mudaram, mas a China não encara mais a escassez de alimentos da época da grande fome. A produção do país passa de 80 milhões de toneladas de carne por ano, entre porcos, frangos e gados. Tendo também a maior capacidade de pesca oceânica do mundo.
Portanto, uma pesquisa realizada em 2006, que entrevistou 24 mil chineses, mostrou que 72% das pessoas não tinham consumido carnes exóticas no ano anterior. Aliás, antes da SARS, esse total era de 51%. Entretanto, em um outro estudo feito em 2015 na capital Beijing, apresentou que pelo menos 30% dos habitantes recorrem aos Wet Markets. Em cidades mais pobres ou nas periferias, a porcentagem aumenta. Porém, a grande maioria não consome carnes exóticas, e sim carnes e peixes comuns.
Este artigo tem com intuito informar e conscientizar, tendo as seguintes referências: Super Interessante, National Geographic, e Gazeta do Povo.
1 comentário