Em 2019 o Brasil teve 3.739 homicídios dolosos de mulheres. Mulheres essas que em maior parte sofriam violência doméstica antes do ocorrido, sendo em média uma morte a cada 7 horas (Via: G1). Vítimas que viveram com medo de seus agressores e não tiveram voz e, assim, se tornaram mais um número.
Dados coletados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) apontaram que o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio.
A violência doméstica
Segundo a Lei Maria da Penha, qualquer mulher pode ser considerada vítima de violência doméstica e familiar. Mas, desde que exista a convivência íntima ou doméstica. Além disso, a ação não precisa partir de um agressor que seja homem e os casos não são apenas entre marido e mulher. Ou seja, pode ser entre patrão e empregado que convivam no mesmo ambiente doméstico e entre parentes, como mãe e filha, por exemplo.
São cinco formas de violência doméstica e familiar contra a mulher (Artigo 7º da Lei 11.340, Lei Maria da Penha):
- Física: Condutas que ofendem sua integridade ou saúde corporal, como empurrões e socos.
- Psicológica: condutas que lhe causem dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações. Além da limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
- Sexual: Qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada. Mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
- Patrimonial: Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
- Moral: Qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Por que a violência doméstica ainda ocorre?
Vivemos em uma sociedade que ainda tem uma raiz patriarcal forte que prevalece por anos. O que ocasiona ditados como: “Eu não sei porque estou batendo, mas ela sabe porque está apanhando”. Logo, se desprender de algo que possui raízes tão profundas nem sempre é uma tarefa fácil.
Sendo assim, mulheres vítimas de violência doméstica se sentem sem voz para tal situação e se calam. Dessa forma, o agressor da vítima tem cada vez mais a sensação de ser imponente em relação a ela, ocasionando um ciclo composto por 3 fases:
- Fase 1: O começo da tensão
Momento em que começam os primeiros insultos, o agressor começa com um comportamento ameaçador, com agressões verbais ou destruição de objetos pela casa. A vítima se sente a responsável e tenta encontrar justificativas (desemprego, cansaço, álcool, falta de presença, etc.)- Fase 2: Explosão
As agressões se tornam mais fortes, tanto verbais como físicas, e assim sendo cada vez mais intensas. A vítima se vê em estado de choque e acredita não ter controle da situação.- Fase 3: Lua de Mel
O agressor passa a ter um comportamento mais gentil e amoroso, se diz arrependido e promete mudar. A vítima acredita na mudança, até a situação voltar para a fase 1.
Resultado
A repetição desse ciclo leva a mulher a acreditar que não tem o menor controle da situação, gerando o sentimento de “sem saída”.
Ademais, muitas mulheres ficam presas nessa agressão em decorrência ao que as outras pessoas vão achar. O medo de ficar sozinha, sem marido, por exemplo, desencadeia também a vergonha.
Nessa situação, a mulher acaba sendo abusada até mesmo psicologicamente, com chantagens emocionais do seu parceiro. Portanto, sem um apoio a vítima se cala e aceita a situação.
Infelizmente, em decorrência a esse ato de se calar, muitas mulheres acabam sendo vítimas de Feminicídio. Aliás, dados apontam que as mulheres vítimas do feminicídio já sofreram outras violências de gênero, sejam elas psicológicas, patrimoniais, morais, físicas ou sexuais.
Caso Eloá
Em 2008, o Brasil parou em frente às televisões para assistir a morte de uma moça de 15 anos. Toda a situação da época e a repercussão do assunto serviram de análise para diversos especialistas sobre a visão que a nossa sociedade teve na época sobre o “ato de amor”.
Eloá Cristina Pimentel ficou mantida por cerca de 100 horas em sequestro de cárcere privado pelo seu ex-namorado, Lindemberg Alves. Ele não aceitava o fim da relação. A amiga de Eloá, que também foi mantida presa com a vítima, contou em depoimento agressões cometidas pelo Lindemberg contra a adolescente, como bater em Eloá num ponto de ônibus um mês antes e durante o cárcere.
A forma como a mídia e as pessoas trataram o ato colocou Lindemberg como o coitado sofrendo de amor e a Eloá como a moça que deveria perdoar ele. Em programas de televisão, muitos torciam para que tudo aquilo terminasse em casamento. “Ele começou a se vangloriar, a se achar importante. Dava risada”, contou Nayara, amiga de Eloá.
Feminicídio
Portanto, o caso serviu para esboçar a visão da sociedade de que briga entre casais são normais. Eloá estava presa, sofrendo agressões, e as pessoas ainda desejavam que eles ficassem juntos após o fim daquilo. O agressor foi visto como coitado. Ou seja, um homem querendo ficar com a mulher que amava. Infelizmente, durante todo o contexto, ele que levou o papel de vítima.
A Lei do Feminicídio, em vigor em março de 2015, alterou o Código Penal brasileiro. Foi incluído como qualificador do crime de homicídio o feminicídio – quando a motivação da morte se relaciona ao fato da vítima ser mulher. Entretanto, é necessário certos fatores para ser considerado um feminicídio.
Já quando o assassinato de uma mulher é decorrente, por exemplo, de latrocínio (roubo seguido de morte) ou de uma briga simples entre desconhecidos ou é praticado por outra mulher, não há a configuração de feminicídio.
A violência doméstica e a pandemia
Com a quarentena as pessoas passaram a ficar mais tempo em suas casas e, assim, o número de casos de violência doméstica aumentou. Além disso, a pandemia teve um papel de grande influência em problemas psicológicos. Ou seja, o consumo de álcool e outras drogas também tiveram um aumento.
Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, os números começaram a aumentar no dia 18 de março e, até 14 de maio, foram contabilizadas 11.295 ligações feitas ao Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher) e ao Disque 100 (Direitos Humanos).
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Não se cale
Podemos dizer que a sociedade está evoluindo, mesmo que lentamente. As mulheres estão conseguindo falar de forma mais aberta sobre o assunto. Aos poucos então tendo mais coragem para denunciar. Amigos, vizinhos, familiares, seja quem for, não devem se calar também, qualquer um pode denunciar, e quanto mais provas melhor.
Além de serviços e programas especializados em violência contra mulher, é possível procurar apoio em: Unidades Básicas de Saúde (UBS), Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS).
A violência contra as mulheres é um problema grave que deve ser combatido por toda a sociedade. Em média, a cada 7 horas, uma mulher é morta — essas mulheres, em sua maior parte, sofriam violência doméstica antes do ocorrido. Infelizmente, foram vítimas que viveram com medo de seus agressores e não tiveram voz, e assim se tornaram parte desta estatística. Muitas mulheres não fazem a denúncia por medo de retaliação ou impunidade: 22,1% delas recorrem à polícia, enquanto 20,8% não registram queixa. CLIQUE AQUI É LEIA A CARTILHA SOBRE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
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